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sábado, 14 de abril de 2012

TEXTO 111 - PARTE 15: TESE DE DOUTORADO EM XADREZ - RACIOCÍNIO LÓGICO E O JOGO DE XADREZ: EM BUSCA DE RELAÇÕES.

PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000767372&opt=4
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TESE DE DOUTORADO EM XADREZ - RACIOCÍNIO LÓGICO E O JOGO DE XADREZ: EM BUSCA DE RELAÇÕES.
AUTOR: WILSON SILVA.
ORIENTADOR: PROFº DRA. ROSELY PALERMO BRENELLI.
DATA: 23.02.2010.

Simon e Gilmartin perguntaram então quantos padrões seriam necessários para
atingir a performance de um mestre (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 39). Para responder
a esta questão Simon e Gilmartin disseram que a freqüência de distribuição destes
padrões é similar a da língua natural em prosa, utilizando a distribuição harmônica: o
padrão mais freqüente ocorre com freqüência f, o seguinte mais freqüente 1/2 f, o
terceiro 1/3 f, e assim sucessivamente (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 41).
Se com uma rede de 1.000 padrões mais freqüentes a simulação atingiu 50%
dos padrões que ocorreram, Simon e Gilmartin perguntaram quantos padrões deveriam
ser adicionados para atingir a performance do Mestre (80%)? A resposta é:
aproximadamente 30.000 padrões (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 42).
No entanto, os autores chamaram a atenção para o fato que não há garantias
de que todos os padrões mais freqüentes foram incluídos na rede dos 1.000 padrões,
portanto os 30.000 padrões para o nível de mestre podem estar superestimados. Simon
e Gilmartin concluíram então que mestre e grande mestre têm um repertório entre
10.000 e 100.000 padrões (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 43). Em 1972, juntamente
com Allen Newell, Simon publicou a obra Human problem solving, a qual analisa
detalhadamente o jogo de xadrez no capítulo 4 (NEWELL; SIMON, 1972, p. 661-784).
A seguir será apresentada uma caracterização do jogo de xadrez, cujo objetivo
é fornecer informações para melhor compreender este jogo.

3 CARACTERIZAÇÃO DO JOGO DE XADREZ
Para melhor compreender o que é o jogo de xadrez, será desenvolvida a seguir
uma caracterização do jogo que abordará seis tópicos: 1) Jogo e Biologia, onde serão
traçados alguns paralelos entre a evolução biológica e a evolução dos jogos; 2) Jogo e
Cultura, onde será abordada a transmissão de tipo cultural envolvida nos jogos; 3) A
História do Xadrez, onde será delineada a evolução histórica do xadrez em períodos; 4)
A Biblioteca de Caissa, onde será discutida a complexidade envolvida no xadrez; 5) O
Plano no Jogo de Xadrez, onde serão abordadas as particularidades do plano no
xadrez, e por fim, 6) A Expertise no Jogo de Xadrez, que descreverá aspectos da
maestria no xadrez.
3.1 JOGO E BIOLOGIA
Segundo Kraaijeveld (1999, 2000), os jogos de tabuleiro como o xadrez podem
ser vistos como seres vivos (plantas e animais) que estão sujeitos às leis da evolução
biológica assinaladas por Charles Darwin (DARWIN, 1859, 1871), pois tanto em jogos
quanto em seres vivos é possível inferir uma descendência comum a partir da
observação de grupos similares. Jogos também podem ser extintos e “fossilizados”, ou
seja, jogos que se tornam conhecidos (total ou parcialmente) a partir de fontes
históricas, mas que não são mais praticados atualmente.
É claro que no caso dos jogos a transmissão é de tipo cultural e não genética
como no caso da evolução biológica. Para o biólogo evolucionista Richard Dawkins a
transmissão de tipo cultural é análoga a transmissão genética, sendo que esta envolve
unidades replicadoras chamadas genes, e naquela, as unidades replicadoras são os
memes. Dawkins explica como cunhou o nome que deu a estas unidades:
(...) uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação.
“Mimeme” provém de uma raiz grega adequada, mas quero um monossílabo
que soe um pouco como “gene”. Espero que meus amigos helenistas me
perdoem se eu abreviar mimeme para meme. Se servir como consolo, pode-se,
alternativamente, pensar que a palavra está relacionada a “memória”, ou à
palavra francesa même. Exemplos de memes são melodias, idéias, “slogans”,
modas do vestuário, maneiras de fazer potes ou de construir arcos. Da mesma
forma como os genes se propagam no “fundo” pulando de corpo para corpo
através dos espermatozóides ou dos óvulos, da mesma maneira os memes
propagam-se no “fundo” de memes pulando de cérebro para cérebro por meio
de um processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação. Se um
cientista ouve ou lê uma idéia boa ele a transmite a seus colegas e alunos. Ele
a menciona em seus artigos e conferências. Se a idéia pegar, pode-se dizer
que ela se propaga a si própria, espalhando-se de cérebro em cérebro.
(DAWKINS, 2001, p. 214).
Neste sentido, o jogo de xadrez pode ser visto como um meme poderoso da
cultura humana, quase como um vírus que invade não o corpo, mas a mente do
praticante. David Shenk expressa este sentimento ao discutir o arrebatamento do artista
plástico Marcel Duchamp pelo xadrez:
Imaginem um vírus tão evoluído que é capaz de infectar não o sangue, mas os
pensamentos do seu hospedeiro humano. O fígado e o baço são poupados
mas, em compensação, o micróbio se infiltra nos lobos frontais do cérebro,
dominando funções cognitivas vitais como a solução de problemas, o raciocínio
abstrato, as refinadas habilidades motoras e, mais notavelmente, a capacidade
de organizar tarefas. Ele dirige os pensamentos, as ações e até mesmo os
sonhos. Esse vírus passa a dominar não o corpo, mas a mente. (SHENK, 2007,
p. 9).
Em 1952 o físico Albert Einstein também expressou opinião similar ao escrever
algumas linhas após a morte de seu amigo e ex-campeão mundial de xadrez Emanuel
Lasker: “el ajedrez agarra tan fuertemente la mente del maestro que su libertad e
independencia no pueden dejar de quedar afectadas.” (CALVO, 2003, p. 16-17).
Conforme já foi destacado, a transmissão dos jogos de geração para geração é
de tipo cultural, e não biológica. Neste sentido, a seguir será abordada a relação entre
jogo e cultura.

3.2 JOGO E CULTURA
A relação entre jogo e cultura foi bem assinalada pelo historiador e filósofo
holandês Johan Huizinga, em 1938, no livro Homo Ludens. Nesta obra o autor
argumenta que o jogo é uma categoria absolutamente primária da vida, tão essencial
quando o raciocínio (Homo sapiens) e a fabricação de objetos (Homo faber), então a
denominação Homo Ludens quer dizer que o elemento lúdico está na base do
surgimento e desenvolvimento da civilização. No dizer de Huizinga:
O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições
menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não
esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica. É-nos possível
afirmar com segurança que a civilização humana não acrescentou característica
essencial alguma à idéia geral de jogo. Os animais brincam tal como os
homens. (HUIZINGA, 1938, p. 3).
Ao discutir a importância do elemento lúdico na cultura Huizinga diz que:
O fato de apontarmos a presença de um elemento lúdico na cultura não quer
dizer que atribuamos aos jogos um lugar de primeiro plano, entre as diversas
atividades da vida civilizada, nem que pretendamos afirmar que a civilização
teve origem no jogo através de qualquer processo evolutivo, no sentido de ter
havido algo que inicialmente era jogo e depois se transformou em algo que não
era mais jogo, sendo-lhe possível ser considerado cultura. A concepção que
apresentamos nas páginas que seguem é que a cultura surge sob a forma de
jogo, que ela é, desde seus primeiros passos, como que „jogada‟. (HUIZINGA,
1938, p. 53).
Huizinga define jogo assim:
(...) o jogo é uma atividade voluntária, exercida dentro de certos e determinados
limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas
absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de
um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da
“vida cotidiana”. (HUIZINGA, 1938, p. 33).
A se recuar no passado para buscar as origens do jogo encontra-se sempre
uma relação entre o jogo e o sagrado, como assinala o filósofo Giorgio Agambem no
livro Infância e História:

(...) os estudiosos sabem há muito que as esferas do jogo e do sagrado são
estreitamente ligadas. Numerosas e bem documentadas pesquisas mostram
que a origem da maior parte dos jogos que conhecemos encontra-se em
antigas cerimônias sagradas, em danças, lutas rituais e práticas divinatórias.
Assim, no jogo de bola, podemos perceber os vestígios da representação ritual
de um mito em que os deuses lutavam pela posse do sol; a dança de roda era
um antigo rito matrimonial; o pião e o tabuleiro de xadrez eram instrumentos
divinatórios. (AGAMBEN, 2005, p. 84).
A questão também foi analisada na obra de Nigel Pennick Jogos dos Deuses
(PENNICK, 1992) onde o autor investiga a origem dos jogos de tabuleiro segundo a
magia e a arte divinatória.
Durante muitos anos, tem-se afirmado que o jogo de xadrez deve ter um
significado simbólico muito maior que um mero passatempo. Entre outras
coisas, ele tem sido associado ao treinamento mental, à estratégia militar, à
mais complexa Matemática, à adivinhação, à Astronomia e à Astrologia. (...) Em
sua monumental obra Science and Civilization in China, Joseph Needham
afirma que uma técnica quase astrológica teria surgido na China entre os
séculos I e II d. C., com a finalidade de determinar a condição de equilíbrio
entre as qualidades complementares do Yin e Yang. Needham acredita que
essa técnica adivinhatória era adotada pelos adivinhos militares, tendo talvez
servido de base para o jogo de tabuleiro que conhecemos como Chaturanga [o
ancestral do xadrez]. (PENNICK, 1992, p. 209).
Uma vez que foi destacado que, segundo Huizinga, o elemento lúdico está na
base do surgimento e desenvolvimento da civilização, a seguir será apresentada a
história do xadrez fixando-se primeiramente nas similaridades entre o xadrez e a
guerra, para depois abordar as principais escolas de pensamento do xadrez.

3.3 A HISTÓRIA DO XADREZ.

Historicamente o xadrez tem sido classificado como um jogo de guerra (MURRAY, 1913, 1951; BELL, 1960). Em um jogo de guerra típico, dois jogadores
conduzem um combate entre dois exércitos de força igual sobre um campo de batalha
de extensão delimitada que não oferece vantagem inicial de território para cada lado.

Os jogadores não têm ajuda externa e só podem contar com suas faculdades
de raciocínio, e normalmente vence o jogador cuja capacidade estratégica é maior,
cujas forças estão colocadas de maneira mais efetiva, e cuja habilidade para prever
posições é mais desenvolvida. (MURRAY, 1913, p. 25). Nos quadros sete e oito pode
ser vista uma comparação entre o xadrez e a guerra.

QUADRO 10 – COMPARAÇÃO ENTRE O XADREZ E A GUERRA 1.

Similaridades entre estratégia e tática também podem ser encontradas no
xadrez e na guerra, quando se observa o livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu (TZU,
2002, 2004). Neste livro, que é considerado o mais antigo tratado militar existente, o
autor apresenta alguns conselhos para o general que poderiam se aplicar ao enxadrista
de competição:

I. Sonda os planos do inimigo e saberás qual estratégia será coroada de êxito e
qual está fadada ao fracasso.

II. Perturba o inimigo e faz com que ele revele
seus movimentos.

III. Descobre a disposição tática do inimigo e faz com que ele
exponha seu local de batalha.

IV. Coloca-o a prova e descobre onde sua força é
pujante e onde é deficiente.

V. A suprema tática consiste em dispor as tropas
sem forma aparente. Então, os espiões mais penetrantes nada podem farejar, nem os sábios mais experientes poderão fazer planos contra ti.

VI. Estabeleço
planos para a vitória segundo essas táticas, mas o vulgo tem dificuldades em compreendê-las. Todos são capazes de ver os aspectos exteriores, mas ninguém pode compreender o caminho segundo o qual forjarei a vitória.

VII. Jamais repitas uma tática vitoriosa, mas responde às circunstâncias segundo uma variedade infinita de métodos. (TZU, 2002, p. 65-66).

Outras similaridades entre uma batalha e uma partida de xadrez podem ser observadas no seguinte trecho em que Tzu descreve os elementos da arte da guerra:

(...) os elementos da arte da guerra são: primeiro, a medida do espaço;
segundo, o cálculo das quantidades; terceiro, as estimativas; quarto, as
comparações; e quinto, as probabilidades de vitória. A medida do espaço
aplica-se ao terreno. As quantidades derivam da medida, os números das
quantidades, as comparações dos números e a vitória, das comparações. Por
“terreno” entendemos as distâncias e os tipos de solo; “medida” é estimativa.
Antes de o exército partir, fazem-se estimativas com respeito ao grau de
dificuldade do país inimigo; ao traçado retilíneo ou tortuoso das estradas; ao
número de soldados; à quantidade de equipamento bélico e ao moral da tropa.
Fazem-se cálculos para saber se o inimigo pode ser atacado, e só depois disso
se procede à mobilização e ao recrutamento. (TZU, 2004, p. 46-47).

Na obra A Arte da Guerra, o pensador florentino Nicolau Maquiavel apresenta
algumas regras gerais da disciplina militar que também possuem similaridades no jogo
de xadrez:

Tudo que é útil para o inimigo deve ser prejudicial para ti; tudo o que é
prejudicial para ele deve ser útil para ti. Quem está mais atento na observação
das movimentações e dos planos do inimigo e se empenha mais no treinamento
e na disciplina do exército será o menos exposto ao perigo e terá mais motivos
para esperar êxito de seus empreendimentos. (...) Nenhum empreendimento
tem mais probabilidade de êxito do que aquele que se oculta do inimigo até
estar pronto para execução. (...) Se o general conhece perfeitamente a própria
força e a do inimigo, dificilmente fracassará. (...) Quem é mais forte na infantaria
do que na cavalaria, ou na cavalaria do que na infantaria, deve escolher terreno
compatível. (...) Não é fácil evitar acidentes inesperados, porém os previstos
podem ser facilmente evitados ou remediados. (MAQUIAVEL, 2003, p. 185 - 187).

Na obra As 48 Leis do Poder, Greene e Elffers (2000), ao analisar os princípios
gerais do poder, apresentam uma lei que versa sobre a importância da imprevisibilidade
no comportamento:

Os homens são criaturas de hábitos com uma necessidade insaciável de ver
familiaridade nos atos alheios. A sua previsibilidade lhes dá um senso de
controle. Vire a mesa: seja deliberadamente imprevisível. O comportamento que
parece incoerente ou absurdo os manterá desorientados, e eles vão ficar
exaustos tentando explicar seus movimentos. Levada ao extremo, esta
estratégia pode intimidar e aterrorizar. (GREENE; ELFFERS, 2000, p. 152).

Greene e Elffers (2000) utilizam-se de uma série de fatos ocorridos em 1972,
durante a disputa pelo título mundial de xadrez entre o norte-americano Bobby Fischer
e o russo Boris Spassky, para ilustrar a observância desta lei.

Os autores concluem afirmando que:
O xadrez contém a essência da vida: primeiro, porque para vencer você tem
que ser extremamente paciente; segundo, porque o jogo se baseia em padrões,
seqüências inteiras de movimentos que já foram feitos antes e continuarão
sendo feitos, com ligeiras alterações, em qualquer jogo. O adversário analisa os
padrões que você está usando e os aproveita para tentar prever os seus
movimentos. Não lhe dando nada de previsível em que basear sua estratégia,
você consegue uma grande vantagem. No xadrez, como na vida, quando não
conseguem imaginar o que você está fazendo, as pessoas ficam em estado de
terror – aguardando, incertas, confusas. (GREENE; ELFFERS, 2000, p. 155).

Em sua obra seminal A History of Chess, o historiador do xadrez Harold Murray
assinala que há aproximadamente mil e quinhentos anos, na Índia, surgiu o
Chaturanga, que se transformou no atual jogo de xadrez.
Por intermédio de muitas guerras e na busca por novas rotas comerciais, o
xadrez foi introduzido nos países ocidentais, e na Idade Média passou por algumas
metamorfoses que o conduziram à forma atual.
A característica principal do xadrez praticado na Idade Média era a profunda
elitização que sofria, sendo chamado “jogo dos reis e rei dos jogos”. Três fatos
ocorreram no sentido de tornar o xadrez um jogo mais popular.
O primeiro se deu no século XV quando Gutenberg criou o tipo móvel,
possibilitando a impressão de livros, inclusive de xadrez, como é o caso do Arte breve y
introduccion muy necessaria para saber jugar el Axedrez (LUCENA, 1497), que é o livro
mais antigo sobre o formato moderno do xadrez (que data do século XV) que chegou
até os dias de hoje. Ricardo Calvo (CALVO, 1997, p. 13), historiador do xadrez e
membro do grupo de historiadores do xadrez intitulado Grupo de Königstein, aponta
que existem poucos exemplares desse raro livro no mundo espalhados em algumas
bibliotecas, sendo que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro é uma delas15. Com a
proliferação dos livros de xadrez ocorreu a primeira mudança no sentido de tornar o jogo de xadrez mais popular.

15 Em visita à Biblioteca Nacional, em 1998, o autor desta pesquisa teve a oportunidade de manusear um
exemplar original deste importante livro.

O segundo fato ocorreu na Europa do leste, já no início do século XX, quando a
recém-formada URSS adotou o jogo de xadrez como complemento à educação,
tornando-se hegemônica nesse esporte. Para se ter uma idéia do impacto que a escola
soviética de xadrez exerceu no resto do mundo, desde a criação da Federação
Internacional de Xadrez (conhecida pelo acrônimo Fide do nome em francês Fédération
Internationale des Échecs), em 1924 até 2006, dos 17 campeões mundiais somente 4
não vieram da URSS ou de sua área de influência. Nestes 82 anos de existência da
Fide, por somente 10 anos não houve um campeão mundial de xadrez da URSS.
Botvinnik (1960, p. 12) afirma que algumas características da escola soviética de xadrez
podem ser encontradas já no século XIX, com nomes como Petroff (1799-1867) e
Tchigorin (1850-1908). Shenk (2007, p. 168-169) assinala que entre os revolucionários
bolcheviques havia uma profunda admiração pelo xadrez, sendo inclusive uma paixão
do filósofo da revolução russa Karl Marx. Arrabal (1988, p. 135-138) afirma que Marx
jogava muito bem xadrez, apresentando inclusive uma partida anotada em que o
filósofo vence um jogador chamado Meyer. Fauber (1992, p. 294) informa que Lênin
também foi um apaixonado pelo xadrez:
Chess grew in post-revolutionary Russia because of Vladimir Lenin‟s love of
chess. It was Lenin‟s favorite recreation. When he was exiled to Siberia, he
played correspondence chess and also contested games with the talented
amateur A. N. Khardin in Samara. As Khardin‟s clerk, Lenin improved from a
knight odds player to pawn and move. When Lenin ran the Bolshevik Party from
his exile in Switzerland, he frequently played chess with passionate attention
and frequently berated himself after a game for to the neglect of revolutionary
activities. The writer Maxim Gorky described Lenin‟s ardent play and how he
reacted to loss by becoming “as despondent as a child.” In Geneva he was
joined by Alexander Ilyin-Zhenevsky, a young student, with whom he formed a
close bond on the eve of The Great War.
Shenk (2007, p. 169) afirma que também Leon Trotsky praticava o xadrez:
“Leon Trotsky também levava muito a sério o xadrez, jogando freqüentemente em Viena
e Paris antes da Revolução.” Uma peça importante na disseminação do xadrez na
URSS foi o comandante Nikolay Krilenko:

Não muito depois da tomada do poder, em 1917, Nikolay Krylenko, supremo
comandante de Lênin no Exército soviético, adotou o xadrez como projeto
pessoal. Considerando-o uma “arma científica da batalha no front cultural”, ele
obteve sólido apoio governamental para o jogo, inclusive com assistência
financeira para os jogadores mais promissores. Também organizou importantes
torneios internacionais. “Levem o xadrez até os operários”, era um dos
primeiros slogans do movimento pelo xadrez de Krylenko. (SHENK, 2007, p.169).

Sobre os motivos para dos bolcheviques para promover o xadrez, Shenk afirma,
citando Daniel King, que foram tanto de ordem ideológica quando de ordem política.
“Os motivos dos bolcheviques para promoverem o xadrez eram tanto
ideológicos quanto políticos”, esclarece o grande mestre britânico Daniel King.
“Eles esperavam que esse jogo lógico e racional pudesse curar as massas da
crença na Igreja ortodoxa russa. Mas também queriam provar a superioridade
intelectual do povo soviético sobre as nações capitalistas. Colocando em
termos simples: aquilo fazia parte da sua dominação mundial”. “Com o xadrez”,
prossegue King, “eles descobriram algo extremamente vantajoso: o
equipamento era barato de produzir; os torneios, relativamente fáceis de
organizar; e tudo se fundamentava numa tradição já existente. Em pouco tempo
já se viam clubes de xadrez nas fábricas, no Exército... Aquele vasto
experimento social rapidamente produziu frutos.” (SHENK, 2007, p. 169).

O terceiro fato que contribuiu para a popularização do xadrez foi o surgimento
dos computadores em meados do século XX e o advento da Internet, já no final do
século XX. A partir da década de 50, na busca por construir máquinas inteligentes,
ciências como Psicologia e Inteligência Artificial apresentaram estudos que aceleraram
a produção de enxadristas eletrônicos culminando com o supercomputador da IBM
Deep Blue, que em 1997 derrotou Garry Kasparov em um re-match de seis partidas,
com resultado de 3,5 a 2,5 (KING, 1997). Os softwares e hardwares a cada dia tornamse
mais poderosos e imprescindíveis aos enxadristas de alto nível.
A Internet representa o apanágio desse terceiro momento por possibilitar o
acesso quase instantâneo às informações referentes às partidas jogadas em torneios
no mundo todo, além da possibilidade de jogar com pessoas do mundo todo em tempo
real. Para se ter uma idéia do que representa a prática do xadrez pela Internet, basta
comparar um clube de xadrez “real” com um clube “virtual”. Enquanto que um dos mais
tradicionais clubes de xadrez do Brasil, o Clube de Xadrez de Curitiba, fundado em
1937, comporta no máximo 120 jogadores, o Internet Chess Club em um dia de semana pela manhã16 tinha 1.294 jogadores online, incluindo 12 Grandes Mestres e 35 Mestres
Internacionais.
Após esta introdução será abordada brevemente a história do xadrez
focalizando algumas escolas de pensamento, fatos e enxadristas mais importantes de
cada período. A seguir, pode ser visto o quadro 12 que apresenta a história do xadrez, dividida em períodos.

a) Subperíodo Primitivo (± até 500 dC)
A história primitiva da história do xadrez não pode ser estudada sem um
conhecimento prévio de outros jogos de tabuleiro, pois é necessário observar os jogos
que existiam antes do xadrez aparecer, e somente depois é possível entender as fontes
e razões que fizeram surgir o xadrez. Historiadores do xadrez como Yuri Averbakh, acreditam na possibilidade do xadrez ter evoluído de um jogo de corrida, conforme
pode ser visto na passagem a seguir:
The history of chess cannot be studied without a proper knowledge of the history
of other board games. First it necessary to observe the games which had come
into existence before chess appeared. Only after that we are able to understand
the sources and reasons which guided to the origin of chess. The history of
games in Old India shows that much simpler games were in existence before a
complicated war game came into being. In particular, the direct predecessor was
asthapada - a fourhanded race game on an 8x8 board where the movement of
the game pieces was determined by the throw of dice. (AVERBAKH, 1999).
Deve-se destacar que essa questão não é um consenso entre os historiadores
do xadrez, como pode ser visto nesta passagem:
The theory that chess is a development of an earlier race game involves the
hypothesis that some reformer changed the whole nomenclature in order to
make it self-consistent as a war game and secured the agreement of all his
contemporaries. I find this hypothesis incredible. (MURRAY, 1913, p. 50).
b) Subperíodo Indiano (± de 500 a 600)
Murray assinala que o xadrez moderno é descendente direto de um antigo jogo
indiano jogado no século VII da era cristã:
We must according conclude that our European chess is a direct descendant of
Indian game played in the 7th century with substantially the same arrangement
and method as in Europe five centuries later, the game having been adopted
first by the Persians, then handed on by the Persians to the Muslim world, and
finally borrowed from Islam by Christian Europe. (MURRAY, 1913, p. 27).
O jogo chamava-se chaturanga, que em sânscrito significa quadripartido, ou
seja, dividido em quatro partes, pois o jogo incorporava os quatro elementos do exército
indiano da época: infantaria (soldados a pé = os peões), cavalaria (os cavalos),
charretes (as torres), elefantes (os bispos).



We are, therefore, entitled to conclude that the fourfold division of the Indian
army into chariots, cavalry, elephants, and infantry, was a fact well recognized
already before the commencement of our era. The same four elements –
chariots, horse, elephants, foot-soldiers – appear as four out of the six different
types of force in the board-game chaturanga. (MURRAY, 1913, p. 44).
Murray (1913, p. 46) destaca que no início, o jogo era praticado era praticado
por duas pessoas: “...the comparative evidence of the non-Indian games tells strongly in
favour of the original game of chaturanga having been for two players”. Mais tarde
surgiu uma variação para quatro jogadores que se tornou popular.
Na variação para duas pessoas, cada jogador possuía dezesseis peças: um rei,
um conselheiro (hoje a dama), dois elefantes (hoje os bispo), dois cavalos, duas
charretes (hoje as torres) e oito soldados (atualmente os peões). A arrumação das
peças era feita como mostra a figura 18. Pode-se observar que o tabuleiro era
monocromático (de uma só cor).

FIGURA 18 – CHATURANGA PARA DUAS PESSOAS

Na forma para quatro pessoas (MURRAY, 1913, p. 69-76), cada jogador
possuía oito peças: um rei, um cavalo, um elefante (movia-se como torre), um navio
(movia-se duas casas na diagonal) e quatro soldados (os peões). A arrumação das
peças era feita como mostra a figura 19. O tabuleiro era monocromático e as peças dos
quatro jogadores diferenciavam-se pelas cores vermelha, verde, amarela e preta.
A peça a ser movimentada era definida por um lance de dados, embora uma
variação sem os dados também era praticada na época.


FIGURA 19 – CHATURANGA PARA QUATRO PESSOAS.


c) Subperíodo Persa (± de 600 a 700)
Por intermédio de trocas comerciais e culturais, o chaturanga chegou até a
Pérsia. Murray (1913, p. 57), citando o livro do grande jogador árabe Al-Adli, escrito por
volta de 840, destaca que o xadrez Persa foi tomado dos Indianos, e que os Árabes,
por sua vez, tomaram dos Persas: “(...) this form is the form of chess which the Persians
took from the Indians, and which we took from the Persians. The Persians altered some
of the rules, as it agreed.”
Calvo (1997, p. 68), assinala que por volta do ano 600 o xadrez já estava bem
estabelecido na Pérsia: “de los textos más primitivos se desprende que el juego ya
estaba bien establecido en Persia alrededor del 600 AD”.
d) Subperíodo Árabe (± de 700 a 1400)
Com a Pérsia sendo conquistada pelos árabes em meados do século VII, houve
um intercâmbio entre a cultura árabe e a persa, e os árabes passaram a conhecer o
chaturanga. No dizer de Murray (1913, p. 187): “No can there be much doubt that the
introduction of chess was a result of the conquest of Persia which took place between
the years A.D. 638 and 651”.
Murray (1913, p. 187) diz que com os árabes, o chaturanga passou a ser
chamado Shatranj:
The Persian consonant ch has never existed in Arabic, and had to be
represented in Arabic by sh (...). The Arabic letter j which perhaps still retained
the original sound of the “hard” g under the early caliphate, was used to
represent the “hard” Persian g. (…) Shatranj, the Arabic name of chess, is
accordingly the regular Arabicized form of the Persian chatrang.
Finkenzeller, Ziehr e Bührer (1989, p. 19) destacam que os mestres de xadrez
mais antigos foram os árabes:

Los más antiguos maestros conocidos de la historia eran árabes: Aladli, Ar-Razi
y As-Suli (muerto en 946). Al-Adli (fallecido en 850) publicó un manual en el que
plasmaba la voluminosa teoría de su época sobre el juego, y durante mucho
tiempo mostró maravillosas posiciones de problema. En 847 perdió un
encuentro con Ar-Razi, que tuvo lugar en la corte del califa Al-Mutawakil. Por
ello, Ar-Razi (muerto en 850) fue considerado el más fuerte jugador del
momento. Redactó una obra, a la que el significativo título “La elegancia en
ajedrez”.
Calvo aponta que parte do prestigio elitista do xadrez se fundamentava em sua
associação com os saberes que eram transmitidos juntamente com ele, conforme pode
ser visto na interessante passagem do livro de Al-Adli de 840:
Tres cosas se inventaran en la India sin que antes hubiese nada parecido en
ningún otro lugar. Estas tres cosas son: el juego del ajedrez, las nueve cifras
con las que se puede contar hasta el infinito, y el libro de fábulas Kalila y Dimna.
En cambio, los hallazgos en medicina y astrología son discutidos por los griegos
y los persas. (CALVO, 1997, p. 73).
Por volta do século VIII o xadrez foi introduzido na Europa pela invasão da
Espanha pelos Mouros. Calvo assinala que embora os árabes tenham chegado à
Península Ibérica a partir do ano de 711, a transmissão do jogo para os europeus
ocorreu lentamente:
La invasión musulmana de la Península Ibérica a partir del año 711 arrastró,
entre otras muchas cosas, un juego como el ajedrez. Pero la transmisión de un
juego exige unas circunstancias propicias, entre ellas la convivencia pacífica, a
nivel de la vida cotidiana frecuentemente compartida entre dos grupos
humanos. Tales condiciones aparecen mucho más tarde, y la circunstancia
bélica inicial hace impensable una transmisión temprana, tanto del ajedrez
como de otros conocimientos orientales. (CALVO, 1997, p. 71).
Calvo (1997, p. 72) destaca que o xadrez só chegou em Córdoba no ano de
822: “El ajedrez se introduce en Córdoba en el año 822, de la mano de un músico
procedente de Bagdad llamado Ziriab que ejerció una enorme influencia en las modas y
costumbres. Las circunstancias han sido documentadas con suficiente precisión.”
Em 1283, a pedido de Alfonso X, rei de Castela e Leon, foi escrito o livro
Juegos diversos de Axedrez, dados, y tablas. O livro cobria os principais jogos
praticados na Europa da época.

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